Posso penhorar um bem de família para quitar dívida trabalhista?

De acordo com o Art. 1° da Lei 8009/90, a qual dispõe acerca da impenhorabilidade do bem de família, não é possível imputar ao imóvel residencial qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, vejamos:

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”

Ocorre que não foi esse o entendimento da 9ª turma do TRT da 1ª região ao analisar o agravo de petição interposto, através do qual o dono de um imóvel penhorado na Justiça do Trabalho, alegou que por se tratar de bem de família, referida penhora seria ilegal.

A Juíza Convocada Márcia Regina Leal, ao proferir o acórdão publicado em 23/06/2022, afirmou que  referida impenhorabilidade não é absoluta, podendo ser relativizada quando, à luz do caso concreto, constata-se que a penhora não é atentatória ao direito à moradia e à dignidade do devedor, bem como se apresenta imprescindível para satisfação de crédito de natureza alimentar. 

No caso em questão, o agravante possuía 50% do bem imóvel penhorado e os herdeiros de sua cônjuge, a outra metade. Além disso, o executado, comprovou nos autos que usufrui dos frutos do bem penhorado, bem como que utiliza parte dos recursos daí advindos a fim de alugar outro imóvel para sua própria moradia. 

Dessa forma, entendeu a Juíza Convocada que a penhora do imóvel não viola o direito à moradia/dignidade do devedor, bem como o direito à herança dos herdeiros, sendo certo que o valor remanescente da alienação possibilitará ao agravante adquirir outro imóvel, também de alto padrão, isso porque, o imóvel em questão foi avaliado em R$ 4.2 milhões:

“importância que espelha elevado padrão imobiliário e justifica a alienação para garantir a máxima efetividade da execução – cujo valor se limita a aproximadamente R$ 52.000,00 (cinquenta e dois mil reais). A penhora do imóvel não viola o direito à moradia/dignidade do devedor, bem como o direito à herança dos herdeiros, sendo certo que o valor remanescente da alienação possibilitará ao agravante adquirir outro imóvel, também de alto padrão”.

Também asseverou que não há falar em excesso de penhora ou em sua inviabilidade em razão de o bem ser objeto de inventário, visto que o produto da arrematação, após pago o crédito exequendo, será revertido em proveito dos beneficiários naquele processo

Por fim, restou descaracterizada a tese por 2 motivos, quais sejam:

Primeiramente, o imóvel não constitui “bem de família”, uma vez que o próprio agravante confirmou não utilizá-lo para sua residência, prova disso é que o mesmo encontra-se alugado em valor superior a 10 mil reais mensais.

Outrossim, o agravante não indicou concretamente outro meio efetivo e viável ao adimplemento do crédito trabalhista:

“dada a premente necessidade de satisfazer execução de natureza alimentar, não há falar em inobservância ao princípio insculpido no Art. 805 do CPC, até porque o trabalhador, idoso, com 71 anos de idade, é a verdadeira parte excessivamente onerada, sendo certo que a demanda foi ajuizada em 2015 e, até a presente data, nada lhe foi pago”.

Referida decisão traz uma reflexão bem interessante sobre o assunto e mais uma vez mostra o quão importante é analisar caso a caso, diligenciar e entender todo o contexto processual. Não permitir que a regra seja limitadora, mas sim um ponto de partida para possíveis saídas.

Artigo escrito por Lívia Gouvea.

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