Os párias da repatriação

“Nada há que justifique o tratamento desigual, que se revela, por isso, inconstitucional, na medida em que fere o princípio da isonomia.”

A proposta que reabre o prazo para regularizar recursos não declarados no exterior voltou para o Senado, depois que os deputados recuaram e decidiram proibir a participação de parentes de políticos. O Senado, agora, terá de rever essa matéria.

O projeto tinha saído Senado para ser votado pelos deputados, com permissão para parentes e cônjuges de políticos e de ocupantes de cargos públicos utilizarem o regime de regularização, responsável por substancial arrecadação no ano passado. A pressão da opinião pública foi decisiva para a modificação que aconteceu na Câmara.

Criado originalmente pela Lei 13.254/16 para permitir a regularização de ativos remetidos/mantidos no exterior ou repatriados sem a devida comunicação às autoridades públicas, o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) contém uma série de vantagens. Dentre elas, a anistia dos crimes e a remissão dos tributos e penalidades relacionados a tais itens. A proibição aos parentes já constava na primeira rodada do programa: “Os efeitos desta Lei não serão aplicados aos detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, nem ao respectivo cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, na data de publicação desta Lei”.

A exclusão da classe política do âmbito do RERCT deve ser vista como opção legislativa legítima, porque essa diferenciação é coerente com o que é próprio aos agentes públicos, com direitos (bônus) e deveres (ônus) distintos dos que valem para os demais cidadãos. Outra conclusão, porém, será a decorrente de observar que a avó de um vereador recém-empossado estará impedida de aderir ao programa, mesmo se não houver qualquer relação entre a fortuna dela e cargo público de seu neto. Nada há que justifique o tratamento desigual, que se revela, por isso, inconstitucional, na medida em que fere o princípio da isonomia.

De resto, a origem ilícita dos recursos já está encartada na lei de 2016 e no projeto de 2017 como fator que impede, por si só, a aplicação do RERCT.

O Senado deve reapreciar a matéria com brevidade, porque foi aprovado regime de urgência para seu trâmite. Resta saber se manterá essa proibição, que está baseada na terrível presunção de que algumas pessoas obtiveram seus recursos no exterior de forma delinquente, pelo simples fato de ter parente servidor público ou político. É muito provável que a interdição permaneça, por receio das manchetes impopulares; neste caso, com a palavra, o Supremo Tribunal Federal.

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