O tempo e o Direito Tributário

“A exceção que se pode admitir é no caso de conluio entre as partes com a deliberada vontade de fraudar o Fisco. Tal ilícito, entretanto, deve ser provado e não presumido.”

É recorrente o uso, pela Administração Pública Fazendária, de expedientes jurídicos que lhe permitam ampliar a cobrança de supostos débitos ou, por comodidade, estendê-la a outras pessoas envolvidas nos fatos geradores dos tributos que não aquelas que a Lei elegeu como as primeiras responsáveis.

Um dos mais pitorescos expedientes empregados é a atribuição de efeitos retroativos à declaração de inidoneidade de um determinado contribuinte e, a partir daí, o direcionamento da cobrança dos tributos por ele devidos àqueles que praticaram as operações durante o período de suposta inidoneidade.

A atividade fiscal, nesses casos, apoia-se sempre na premissa de que seus próprios atos de cunho declaratório são capazes – e devem – produzir efeitos em situações do passado. 

Ainda que alguns – não poucos – estejam convencidos de que tal propagação de efeitos é a única forma efetiva de caçar supostos créditos fiscais, não se deve esquecer que a declaração de inidoneidade é, em si, o único ato capaz de alertar terceiros que operam com o contribuinte que a Fazenda o considera inidôneo. 

A declaração produz efeitos no passado tão somente em relação à pessoa objeto da declaração, mais ninguém. A exceção que se pode admitir é no caso de conluio entre as partes com a deliberada vontade de fraudar o Fisco. Tal ilícito, entretanto, deve ser provado e não presumido.

Por isso que, aos terceiros de boa-fé envolvidos no fato gerador, não existe outro meio de tomar conhecimento da situação de inidoneidade senão pela ciência declaração do Estado e apenas a publicidade – inarredável por imposição do caput do art. 37 da Carta Maior – é que torna o ato oponível a esses terceiros.

Antes de ser público, o estado de coisas declarado pelo ato administrativo é impotente; incapaz de gerar consequências contra quem não seja objeto dele. 

O princípio da publicidade impõe que a eficácia de qualquer ato administrativo depende de sua prévia publicação em veículo de caráter oficial para, a partir daí, poder-se estabelecer a presunção de seu conhecimento público e começar a produzir efeitos jurídicos contra os seus destinatários.

Não pode um ato administrativo (nem mesmo a lei) obrigar as pessoas o dever da onisciência ou da futurologia. Admitir a validade desse tipo de expediente é admitir o direito do Estado de exigir que os contribuintes conheçam o futuro e saibam que em dois ou três anos aquela pessoa com a qual ele está realizando suas transações será considerada inidônea. É superestimar sua capacidade investigativa além de atribuir-lhe responsabilidades que equivaleriam a sagrá-lo verdadeiro fiscal fazendário. Uma completa e absurda inversão da realidade.

Nas cortes administrativas, como era de se esperar, a voracidade fiscal tem prevalecido sobre as garantias fundamentais que circundam os negócios jurídicos e é no Poder Judiciário, por isso, que reside a única esperança do contribuinte de reverter essa onírica situação envolvendo o tempo e o Direito Tributário. 

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