ICMS: o perigo mora nos detalhes

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, mais conhecido como ICMS, é um tributo de competência estadual indireto, não-cumulativo, com disposições gerais contidas na Constituição Federal de 1988 e na Lei Complementar n. 87/96 (Lei Kandir).

Dentre suas inúmeras feições, as operações e prestações interestaduais que destinam bens e serviços a consumidores finais, nos termos das alterações trazidas pela Emenda Constitucional n. 87/2015 (incisos VII e VII do §2º do art. 155 da Constituição Federal), ganharam atenção no final de 2020 com o início do julgamento da  Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5469, de relatoria do Ministro Dias Toffoli e do Recurso Extraordinário (RE) 1287019, com repercussão geral (Tema 1093), de relatoria do Ministro Marco Aurélio.

Se antes da mencionada alteração constitucional, o art. 155, §2°, incisos VII e VIII, permitia aos Estados exigirem o diferencial de alíquota – DIFAL (diferença entre alíquota interna e interestadual) apenas nas operações interestaduais que destinassem mercadorias ou serviços a consumidores finais contribuintes do imposto, depois dela os Estados puderam também passar a exigir para si o DIFAL do ICMS também nas operações envolvendo não-contribuintes do imposto. 

A partir daí, identificar se o destinatário final é ou não contribuinte do ICMS passou a ser importante apenas para determinar a responsabilidade do recolhimento do tributo; o destinatário da mercadoria ou serviço, no caso dele próprio ser contribuinte do ICMS, ou o remetente, quando a operação destinar a mercadoria a um não-contribuinte.

“De certo modo, todo mundo já sabe disso – está codificado em mitos, provérbios, clichês, máximas, epigramas”, dizia  David Foster Wallace: o diabo mora nos detalhes. 

E foram nos detalhes da regulamentação do novo mandamento constitucional introduzido pela EC 87/2015, que os Estados e o Distrito Federal firmaram, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz, o Convênio ICMS nº 93, em 17 de setembro de 2015, com detalhes pecaminosos.

Suas disposições entraram em vigor em 1º de janeiro de 2016 e tem por objetivo a padronização dos “procedimentos a serem observados nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra unidade federada”.

E referido convênio foi celebrado em virtude da ausência de edição de lei complementar destinada a tratar sobre normas gerais tributárias.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF, em 11 de novembro de 2020, iniciou o julgamento conjunto sobre as controvérsias desse verdadeiro movimento legislativo do Confaz e ambos os Ministros relatores votaram pela procedência da ADI e provimento do recurso para declará-lo irregular.

Em suma, o Ministro Dias Toffoli consignou que não pode o convênio suprir ausência de lei complementar, dispondo sobre obrigação tributária, contribuintes, bases de cálculo/alíquotas e créditos de ICMS nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto.

Já o Ministro Marco Aurélio, por sua vez, acreditou que houve usurpação de competência da União, a quem cabe editar norma geral sobre matéria tributária. Ressaltou, ainda, a inadequação do instrumento utilizado e observou que não é possível que elementos essenciais do imposto sejam disciplinados por meio de convênio.

Temas como a divergência conceitual entre Estados a respeito da definição do destino da mercadoria (se o que vale é o físico ou o jurídico) e a indevida imposição aos remetentes de uma obrigação tributária acompanhada de mais inúmeras obrigações acessórias a serem observadas sob pena de severas multas vêm à tona e não deixam esquecer que, para além da flagrante inconstitucionalidade decorrente da violação ao princípio da reserva de lei complementar (art. 146, da CF), o diabo mora é nos detalhes.

Artigo escrito por Paulo Patrezze com colaboração de Paola Pandochi.

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