Fronteiras virtuais da liberdade

O pensador italiano Umberto Eco, em crônica definitiva dos nossos tempos, observou que a Internet – em especial as redes sociais – deram voz aos imbecis, cujas afirmações antes ficavam restritas às mesas de bar.

A conversa de botequim é foro fértil para bobagens, composições musicais belíssimas e até filosofias interessantíssimas. O que é de qualidade ganha o mundo, como a canção Garota de Ipanema, entretanto as bobagens evaporam com o álcool na atmosfera. É um pacto de convívio muito claro. O que importa é que esse laboratório boêmio não é exercido com difusão amplificada em todas as direções, como acontece nas redes sociais.

Na Internet, as imagens têm filtro; as palavras, não. A comunicação contemporânea independe de editoria, o que é bom e ruim ao mesmo tempo. Quase tudo na vida tem dois lados.

A convivência humana na sociedade civilizada depende da busca por evitar a dor alheia. Em linhas gerais, resguardados os flagelos humanitários perpetrados por governos (ou com sua coonestação), durante séculos, a sociedade ocidental dedicou-se a proteger indivíduos, através do Estado, apenas da dor física. A punição a quem causasse dor moral, por seu turno, era relegada a vinganças privadas e duelos entre particulares.

O surgimento da psicanálise e sua influência já na primeira metade do século XX levaram o Ocidente à tutela estatal também da honra, com normas punitivas para ofensas, além de obrigar a reparação desses danos. Essa mentalidade foi absorvida ao longo dos anos pelos indivíduos, que passaram a evitar detrações em público.

Em razão disso, as constituições democráticas estabelecem, como contrapartida à liberdade de pensamento e opinião, a vedação ao anonimato. Com isso querem dizer que não há censura prévia ao que cada indivíduo expressará, contanto que esse indivíduo arque com os efeitos de sua expressão. Quase tudo na vida tem dois lados.

Atribuir consequências negativas a expressões ofensivas, portanto, não contradiz a liberdade de expressão, a qual não está interditada. Esse aparente desalinho é facilmente desmentido com um aforismo bem humorado do Barão de Itararé: “As consequências vêm depois.”.

Toda condenação nas democracias, afinal, é simplesmente a consequência do que o cidadão fez no pleno exercício de sua liberdade. Se é livre a semeadura, a colheita é obrigatória, já diz a sabedoria popular.

Com o advento da internet e a revolucionária profusão de interações por meio da rede, os usuários não perceberam de imediato que aquele era um ambiente de convivência coletiva. À primeira vista, parecia um universo de testes, um mundo de faz-de-conta, onde a reinavam a descontração e a irreverência.

Essa concepção do espaço virtual como algo lúdico, porém, foi dando vez a inconsequências, que abrem caminho para perversões, tais como a propagação de notícias falsas, a adesão maciça a teorias conspiratórias descoladas da realidade, e a notável profusão de insultos, ultrajes e ataques, dos mais diversos matizes.

Porém, na Internet incidem todas as normas da vida real, porque a Internet é vida real – uma sua parte cada vez mais importante. É necessário que a interação por meio da informática não descuide das conexões estabelecidas entre os indivíduos, que são de verdade. Não se trata de videogame, em que qualquer desventura pode ser reparada com um clique no restart.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *