Entre Aquiles e Heitor: o ITBI ou a imunidade na integralização de capital com bens imóveis

Paulo Henrique Patrezze Rodrigues e Giovanna Marchió Capeli

Na Constituição Federal, há uma composição longa e extremamente importante que discrimina as competências tributárias nos âmbitos nacional, estadual e municipal. Na seção III, art. 153, é possível encontrar as minúcias das situações em que a União pode instituir impostos. Já na seção IV, o cidadão brasileiro pode consultar as competências dos Estados e do Distrito Federal no que diz respeito às taxações de impostos. Por fim, no art. 156, pode-se encontrar uma disposição sobre a legalidade dos atos taxativos promovidos pelos municípios.

Especificamente no inciso II, lê-se: “Art. 156. […] Compete aos Municípios instituir impostos sobre: […] II – transmissão “intervivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.” Na sequência, entretanto, no § 2º, I, deste mesmo artigo, há a seguinte predicação: “O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.”

A Constituição Brasileira, como se vê, objetivou claramente estimular a capitalização e o desenvolvimento econômico nacional ao atribuir imunidade da incidência de ITBI às hipóteses de transferência de bens imóveis a empresas através de integralização do capital por seus sócios. 

O texto constitucional – que, em tese, deveria ser claro e cirúrgico em seus apontamentos – não foi capaz de impedir interpretações completamente distintas entre si, exigindo que o Supremo Tribunal Federal – STF fosse chamado a decidir a pacificar a matéria, promovendo uma votação sobre o assunto no Recurso Extraordinário n. 796.376 (Tema 796), da qual podem ser extraídas importantes conclusões em relação ao alcance da imunidade do ITBI, prevista no inciso I, do §2º, do art. 156, da Constituição Federal.

A Corte Suprema reconheceu que existem duas hipóteses distintas de imunidade de ITBI previstas no artigo 156, §2º, I, da CF/88: (i) a primeira hipótese é de imunidade na transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital; (ii) a segunda hipótese de imunidade é na transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.

E observou que, na primeira hipótese, as integralizações de bens imóveis ao capital social são imunes ao ITBI, independentemente da atividade preponderante da empresa e que, na segunda hipótese, a imunidade está condicionada à verificação da não preponderância de atividades imobiliárias pela sociedade adquirente dos bens imóveis.

O STF, ainda, declarou que, em ambas as hipóteses, a imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança os valores dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado, quando tais valores excedentes são convencionados no contrato social, contabilizados e lançados como reserva de capital.

Se na simbologia do Direito a balança é tomada como imagem de prudência e equilíbrio para se tenha uma sociedade mais justa, na obra “Ilíada”, de Homero, a balança foi utilizada para decidir o destino de Aquiles e Heitor, resultando na morte deste último.

Especificamente no caso do Recurso Extraordinário n. 796.376 (Tema 796), o Supremo Tribunal Federal precisou desdobrar as predicações da CF a fim de esclarecer que as imunidades tributárias devem ser observadas; declarou que a balança não deve ser forçada a pender para o lado do Poder Público.

Apesar da clareza dessas exposições, muitos Municípios e agentes fiscais têm se recusado a acatar o entendimento firmado pelo órgão máximo do Poder Judiciário e a provocar o fatal desestímulo ao desenvolvimento econômico privado, que é, desde a origem, a pretensão declarada da Constituição; assim como na literatura universal, empurra a balança e coloca as empresas diante do trágico destino de Heitor.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *