Cooperativas de trabalho: uma questão societária

“A hermenêutica jurídica inexiste na pressa: a inovação legislativa não é trabalhista, mas societária”

É indiscutível a importância da Lei n. 12.690, de 2012, em especial porque há muito tempo o cooperativismo de trabalho espera a devida atenção do Congresso Nacional.

Já ao surgir, a legislação nova deflagrou manchetes apressadas, pautadas em observações superficiais do texto legal. Muitas vozes proclamaram que se estava garantindo direitos trabalhistas aos cooperados, e o fizeram com tanta veemência que aos desavisados parecia que a lei nova estava a demolir a disciplina cooperativista, maximizada em 1971 pela Lei n. 5.764, erigindo em seu lugar normas de relação de emprego, com os moldes pré-fabricados da CLT.

Longe disso, a Lei n. 12.690/2012 trouxe, sim, um novo marco regulatório no cooperativismo de trabalho, enfileirando direitos mínimos que devem, em determinadas circunstâncias, ser garantidos aos cooperados, mas na qualidade de sócios. 

A hermenêutica jurídica inexiste na pressa: a inovação legislativa não é trabalhista, mas societária.

Tal como outras leis asseguraram aos acionistas direitos em relação às companhias – a exemplo das leis n. 9.457/1997 e n. 10.303/2001, que emendaram a Lei das S.A. introduzindo direitos em favor dos acionistas minoritários –, a lei do cooperativismo de trabalho estabelece regras em favor dos sócios cooperados, simplesmente porque é isso que os cooperados são: sócios. E nessa condição têm direitos, quem em sua natureza jurídica não são diferentes do direito do sócio de uma empresa limitada exigir prestação de contas.

O tipo associativo cooperativista não consente valorizar o capital e, por isso, cada cooperado é um ser político-administrativo dentro de sua congregação, com direito a um único voto, exatamente como cada um dos demais cooperados.

A classificação jurídica dos entes é essencial para a interpretação, sobretudo para dirimir dúvidas com estribo nos princípios jurídicos que regem a relação. Nada na Lei n. 12.690,2012 pode ser interpretado desmerecendo o cooperativismo genuíno e prestigiando o juslaboralismo, que é alienígena na relação cooperativista, como o é em qualquer relação entre iguais, sócios. 

Os princípios que regem o cooperativismo não se alteraram; antes, foram replicados na nova lei, nos incisos de seu art. 3.º. Coadunam-se com a Constituição da República, que descreve o cooperativismo como uma forma associativa, ordenando assertivamente que a lei o apoie e estimule. Seria até mesmo inconstitucional ver o cooperativismo por outro prisma, que não seja o do associativismo sem litígio entre capital e trabalho.

Não há, portanto, como ver a relação cooperado-cooperativa como uma relação que não seja societária, por mais que alguns direitos veiculados na lei guardem alguma semelhança com os direitos decorrentes de relação de emprego. O ornitorrinco ostenta bico semelhante ao do pato, mas não é ave; é uma espécie própria e é mamífero.

E o novo diploma legal é fértil em dispositivos que demonstram seu caráter societário. Vê-se grato exemplo disso já no § 2.º do art. 2.º da lei, que trata da autogestão pelos cooperados. Em outras diversas passagens, o texto legal enaltece o papel das assembleias de cooperados para as deliberações que detalham sua disciplina e também para disciplinar as lacunas mediante o exercício social da autonomia da vontade, como é adequado aos sócios de qualquer pessoa jurídica em um país de livre iniciativa privada.

Felizmente, não se criou uma nova categoria de hipossuficientes no Direito Brasileiro – que já os tem à farta. Nem seria possível imaginar que os cooperados, que são os donos da cooperativa de trabalho e também seus trabalhadores, estejam em desigualdade em relação à pessoa jurídica mais democrática que existe.

Os princípios societários emancipam os cooperados em relação ao verdadeiro oceano que é o mercado; navegam como figuras de proa e não como meros remadores, empregados de grandes corporações.

As regras da legislação nova mostram que os cooperados devem ter mentalidade de sócios, primando pelo poderoso empreendedorismo que os trabalhadores têm quando se dedicam a uma pessoa jurídica que lhes pertence, eficaz na geração de trabalho e renda. Essa perspectiva alarga os horizontes e livra-os da mesquinhez de se posicionar como reles credor da cooperativa. Parafraseando John F. Kennedy, em vez de perguntar o que a cooperativa pode fazer por ele, o cooperado inverte a pergunta e ganham todos: “o que eu posso fazer pela cooperativa?”.

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