Avanço na proteção jurídica de mulheres vítimas de violência: afastamento da legítima defesa da honra

No dia 1º de agosto deste ano, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, decidiu pela inconstitucionalidade do uso da tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídio ou agressão contra mulheres.

Este argumento buscava minimizar o peso das condutas do acusado, enquadrando a mulher como responsável pela própria violência sofrida, seja por seus atos, como na hipótese de adultério, ou por sua personalidade, no caso de não corresponder aos ideais de submissão feminina da mente do agressor ou assassino. Segundo a tese, o homem, ao atentar contra a integridade física de sua companheira, apenas estaria defendendo a sua honra, supostamente ferida pela vítima do crime.

No entanto, nota-se que a legítima defesa da honra não se adequa ao instituto da legítima defesa, sendo deficiente em seus elementos essenciais, quais sejam: defesa contra  agressão injusta e iminente, utilizando-se moderadamente os meios necessários para a repelir.  

Isto porque essa justificativa desumaniza a mulher, reduzindo-a a uma posição análoga à de propriedade, ao passo em que seu direito à vida e à não violência são depreciados com base em pressupostos machistas, que legitimam o controle feminino até mesmo por meio do uso da força, o que viola o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal.

Frisa-se que na atualidade, considerando os princípios constitucionais de uma sociedade livre e democrática que preza pela igualdade de gênero, não há espaço para que teses como a legítima defesa da honra sejam consideradas no judiciário, uma vez que fomenta a tolerância à violência e à morte, representando uma verdadeira promoção da barbárie e desvalorização da vida. 

Em razão dos altíssimos índices de feminicídios e violência contra à mulher, faz-se essencial a tomada de medidas para afastar a legitimação do uso instrumental do ódio contra mulheres pelos operadores do Direito. Isto porque as profissões jurídicas se sustentam nos pilares da ética e da razão, devendo ser coibidos quaisquer atos que comprometam sua lisura, especialmente aqueles contrários à Constituição Federal.

Desta forma, a proibição ao uso da tese da legítima defesa da honra não fere os princípios da plenitude de defesa e da soberania das decisões no tribunal do júri, uma vez que apenas procura garantir o respeito institucional às vítimas dos crimes decorrentes da misoginia. 

Assim, a decisão da Suprema Corte representa um avanço para os direitos das mulheres, uma vez que, agora, é vedada a utilização de quaisquer argumentos que induzam à tese da legítima defesa da honra, ainda que indiretamente, nas fases pré-processual, processual penal, bem como no Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.  

{Artigo escrito por Larissa Trevizolli e Letícia Trevizolli}

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