As dificuldades para conseguir a certidão negativa de débitos (CND): uma corrida de obstáculos brasileira

A atividade produtiva no país, além das dificuldades naturais dos negócios e da asfixiante carga tributária, padece de outro mal que lhe reduz a agilidade e chega, algumas vezes, a inviabilizar o funcionamento da empresa: trata-se da imensa dificuldade alojada nos meandros da Administração Pública para a obtenção de certidões de regularidade fiscal.

Comumente chamadas de CNDs (certidões negativas de débito), mesmo quando são certidões positivas com efeitos de negativa (CPD-EN, cuja utilidade é idêntica à luz do art. 206 do Código Tributário Nacional), são imprescindíveis para as empresas participarem de licitações e concorrências públicas ou conseguirem empréstimos em bancos oficiais, por exemplo. Parece fazer parte da intimidação que as Fazendas Públicas exercem com o objetivo de arrecadar, os complexos expedientes burocráticos criados para que se acessem as ditas certidões.

O prejuízo é, em muitos casos, menor, se a pessoa jurídica cede à pressão do fisco e recolhe valores sabidamente indevidos, desistindo de discuti-los. A prontidão com que obtém a certidão com esse sacrifício pode evitar que perca negócios vantajosos ou estratégicos. Mais do que dinheiro, porém, o que se sacrifica com isso é o direito do contribuinte, que, com essa postura acaba por encorajar que a Fazenda acirre crescentemente as exigências burocráticas, transformando o que deveria ser um expediente rotineiro numa verdadeira corrida de obstáculos.

O mais saliente exemplo disso talvez seja a peleja que se trava para obter, junto à Procuradoria da Fazenda Nacional, o atestado de regularidade quando há créditos tributários inscritos em dívida ativa, com depósito judicial. Embora o processo judicial em que existe o depósito da soma em discussão seja conduzido pela própria Procuradoria, esta parece ignorar completamente isso quando se lhe requer a certidão, exigindo que o contribuinte comprove desde a existência do processo até a inteireza do depósito, com um extrato atualizado da conta judicial.

Com isso, os prazos para fornecimento da certidão são ampliados. O Código Tributário Nacional estabelece dez dias como prazo máximo para que a Fazenda forneça a certidão, mas quando há exigências, tais como a mencionada, o prazo é retomado a cada cumprimento.

Outra exigência que resvala no cinismo é a comprovação de suficiência de penhora. Em processos de execução fiscal, a exigibilidade do montante que a Fazenda cobra da empresa suspende-se com a garantia do juízo, ou seja, com a penhora de bens. Se os bens penhorados são insuficientes para fazer frente ao débito daquele caso, cabe à Procuradoria, nos autos da execução fiscal, promover com o deferimento do juiz o reforço da penhora, coisa que pode acontecer a qualquer tempo.

É dever de todo credor diligente zelar pela integridade da garantia do crédito. Se não requereu o dito reforço, o que é possível presumir? Ora, que a garantia satisfaz o valor executado.

A Procuradoria, no entanto, olvida-se de suas atribuições processuais e age como se ignorasse cada fato da execução fiscal, relegando ao contribuinte o dever de informar-lhe aquilo que já sabe, atrasando a expedição da certidão e – não raro – frustrando importantes (senão vitais) negócios do setor produtivo nacional.

Já em 2006, a Câmara Americana de Comércio (AMCHAM) apresentou uma proposta que, com três mudanças de simples implementação, seria possível imprimir maior agilidade nesse assunto. (i) estender o prazo de validade das certidões de 180 para 365 dias; (ii) considerar a empresa com pedido protocolizado em situação regular até decisão em contrário, para que a demora da Fazenda não o prejudique; e (iii) considerar o protocolo do requerimento de certidão como data de corte, de maneira que pendências supervenientes ao pedido não possam ser obstáculo àquela concessão de CND.

As reformas legislativas aventadas para melhorar as condições do processo de execução fiscal, entretanto, cingem-se sempre a prestigiar o credor. O que se pode perceber, tomando-se os exemplos acima, é que isso é totalmente desnecessário; o credor já é extremamente privilegiado, a começar pelo fato de que pode constituir unilateralmente um título executivo extrajudicial: a certidão de dívida ativa. 

Falta, nessas propostas, olhar a questão do ponto de vista do tão penalizado contribuinte. Ao cabo, quem sofre com isso é o setor produtivo – e o que aumenta é o custo Brasil. Afinal, como dizia o dramaturgo Nelson Rodrigues: “Subdesenvolvimento não se improvisa; é trabalho de séculos”.

Enquanto isso, o que remanesce é a necessidade de transferir para o Poder Judiciário as questões que haviam de ser resolvidas com presteza nos balcões do Executivo.

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