A tributação dos cooperados de trabalho

“Essa cruel discrepância revela que o estímulo ao cooperativismo determinado pela Constituição não vem sendo cumprido. Algo está muito errado.”

As sociedades cooperativas de trabalho são, por sua natureza e pelo tratamento que lhes foi legado pela legislação, amparada pela Constituição de 1988, sociedades de pessoas, isto é, em que o indivíduo é o eixo do formato societário.

Há mais de quatro décadas, entretanto, o embate travado entre o cooperativismo de trabalho no Brasil e o fisco pauta-se exclusivamente na tributação da pessoa jurídica (cooperativa); o enfoque na tributação sofrida pelas pessoas que compõem as cooperativas (cooperados) ficou à margem das grandes discussões jurídicas.

Muita energia foi empregada, por exemplo, para que o Poder Judiciário afastasse cobranças de tributos sobre o faturamento (PIS, Cofins, ISSQN) e sobre o resultado (CSL e IRPJ). Sempre com os olhos voltados para a pessoa jurídica.

O cooperado, porém, é quem sofre o impacto tributário de sua atividade, sobretudo porque as cooperativas não acumulam resultados para si. E assim a pessoa física acaba por suportar tributação direta e indireta em patamares muito elevados, em especial se comparados à tributação da mesma atividade se empreendida por sociedade empresária. 

É importante que os operadores do Direito voltem seus olhos para a pessoa física, numa concepção antropocêntrica da tributação. Afinal, a cooperativa é um tipo societário sui generis, na medida em que não é um fim em si mesma, mas apenas um instrumento para promover melhores condições sociais e econômicas para seus cooperados.

Uma sociedade empresária que preste serviços profissionais, em comparação com uma cooperativa de trabalho dedicada ao mesmo ramo de atividades, se estiver no regime do lucro presumido, apresenta carga tributária final para o sócio de cerca de 15% do faturamento da empresa. Para o cooperado de trabalho em idênticas condições, a carga final beira 50% em tributos, se segundo o entendimento dos órgãos de arrecadação.

Essa cruel discrepância revela que o estímulo ao cooperativismo determinado pela Constituição não vem sendo cumprido. Algo está muito errado.

Há duas hipóteses para que isso ocorra: (i) a legislação tributária concernente a cooperativas de trabalho, observada sistematicamente, é inconstitucional; ou (ii) a exegese ora em voga é imperfeita e merece uma ampla revisão.

Tratar da inconstitucionalidade de um plexo de normas esparsamente encartadas em diversos diplomas legais, feita em bases comparativas, é tarefa hercúlea e inédita. Assim, antes de tomá-la a peito, deve ser feita a revisão de interpretação, averiguando especialmente e com profundidade a natureza jurídica do pagamento feito pelas sociedades cooperativas de trabalho a seus sócios cooperados, como produto da contratação com terceiros. 

Para que o cooperativismo de trabalho não avance rumo à extinção, é preciso olhar urgentemente para o enorme peso que recai sobre os sócios cooperados. Afinal, John Marshall, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, já havia alertado em 1819: “O poder de tributar envolve o poder de destruir. ”.

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