A literatura e a mãe da justiça

Antonio Candido, teórico dos estudos literários brasileiros, possui uma extensa produção crítica que buscou compreender o Brasil e o comportamento social através das representações ficcionais literárias. Candido, em uma de suas inúmeras publicações, indagou se teria a literatura uma função de conhecimento do mundo e do ser. Este texto partirá desta dúvida, mas não buscará respondê-la de forma categórica, tampouco inquestionável; servirá, entretanto, como um acréscimo provocativo para qualquer leitor que possa não acreditar na formação do ser pela narrativa e pela fabulação.

Em 1955, Ariano Suassuna publicou um texto dramático chamado “Auto da Compadecida”. O texto traz, desde o título, forte influência da literatura medieval ibérica usada para moralizar costumes a partir do cômico e da relação entre o que era considerado sagrado e profano à época: o auto. Portanto, pode-se presumir dois pontos basilares sobre a obra de Suassuna: a comicidade e a busca pela moralização do homem. Tal busca torna-se ainda mais evidente quando os leitores são apresentados a personagens que, no clímax da história, se tornam réus de um julgamento pós-morte a partir das condutas humanas que tiveram em vida.

Em 2000, Guel Arraes dirigiu uma adaptação da obra para o cinema. Nela, personagens como Chicó e João Grilo tomaram forma, ganharam cores e ocuparam o imaginário popular brasileiro. Grilo, um personagem descarado e malandro, inventava histórias e enganava os mais ricos para garantir sua sobrevivência, uma vez que o cenário da obra de Suassuna era o sertão nordestino, imerso na seca e na fome. Graças a esse tipo de comportamento, foi acusado pelo Diabo e sua pena deveria ser ir ao inferno. Manuel, juiz naquele momento, sente-se quase obrigado a aceitar a proposta, quando Grilo evoca aquela chamada de “a mãe da justiça”: a Compadecida. Ao final, Grilo ganha o direito de voltar à forma carnal para ter uma nova chance de não cometer os mesmos pecados.

Assim, é evidente perceber o caráter religioso para a moralização social do homem na obra de Suassuna. Mas, além disso, é importante apontar que a literatura tem um forte papel para o conhecimento do mundo e do ser: a justiça, simbolizada pelas figuras cristãs, deve ser um direito a todo cidadão brasileiro e Suassuna nos mostra, por meio do riso, que, acima de tudo, cada particularidade deve ser discutida, analisada e refletida para que a balança da justiça esteja sempre alinhada em nome da igualdade e da imparcialidade.

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