A contratação de serviços médicos complementares na nova Lei de Licitações

A Constituição Federal, desde sua promulgação em 1988, estabelece que as instituições privadas poderão participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde – SUS, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (art. 199, §1º).

Em razão da incapacidade de atender toda a demanda existente por meio de recursos humanos próprios, os Entes da Federação (Estados e Municípios, sobretudo) historicamente recorrem às licitações para contratar a prestação de serviços médicos complementares àqueles já disponibilizados no âmbito de suas unidades integrantes do SUS; servidores e esses outros contratados passam, então, a trabalhar lado a lado para prover o atendimento a esse direito universal (art. 196, da CF/88).

Segundo a nova lei de licitações, que está atualmente aguardando sanção presidencial (PL 4.253/2020), a contratação de sociedades médicas (sejam empresárias, simples, filantrópicas, etc.) para atuação complementar ao SUS deverá ser licitada seguindo-se as premissas de que se trata de um serviço comum de fornecimento contínuo; isto é, como (i) uma atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada  utilidade, intelectual ou material, de interesse da Administração, (ii) cujos padrões de desempenho e qualidade devam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado e (iii) com o objetivo de assegurar a manutenção da atividade administrativa de maneira permanentes ou prolongadas (art. 6º, XI, XIII e XV).

Essas características, por si só, tornam obrigatório o certame pela modalidade de pregão (art. 6º, XLI c.c. caput, do art. 29); não mais poderão ser utilizadas outras modalidades como a concorrência (rememorando, aqui, que a nova lei de licitações extingue modalidade como tomada de preços e carta-convite).

Além disso, deverá a Administração deixar claro se pretende que a contratação ocorra ou não no chamado regime de dedicação exclusiva de mão de obra, conforme explicitado inciso XVI, do  art. 6º.

O regime de dedicação exclusiva é aquele cujo modelo de execução contratual exige, entre outros requisitos, que os empregados do contratado fiquem à disposição nas dependências do  contratante para a prestação dos serviços, que o contratado não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de  uma contratação para execução simultânea de outros contratos e que o contratado possibilite a fiscalização pelo contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos.

Esse ponto é de fundamental importância porque eventual opção pelo regime de dedicação exclusiva impõe à Administração o dever de exigir expressamente já no edital que o vínculo contratual entre o contratado e os profissionais que efetivamente prestarão os serviços seja celetista, já que evidentemente o trabalho em favor do contratante estará sujeito aos elementos da alteridade, da subordinação, da pessoalidade, da onerosidade, e da não eventualidade.

Somente com essa exigência expressa, poderá a Administração beneficiar-se da limitação subsidiária de responsabilidade trabalhista, que lhe foi assegurada no § 2º, do art. 121, da nova Lei de Licitações e desde que comprovada a fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da contratada, inclusive com a prerrogativa expressa de o edital prever a obrigatoriedade de condicionar os pagamentos contratados à comprovação de cumprimento das obrigações trabalhistas.

À toda evidência, no caso de não exigir regime de dedicação exclusiva, é também recomendável à Administração declarar essa condição no edital, não só para fruir da prerrogativa legal de não responder pelo potencial inadimplemento de verbas trabalhistas (§1º, do art. 121), como também para não limitar ilegalmente a participação de qualquer licitante sob arguição de que a execução do contrato demandará a necessidade de que o vínculo entre e os profissionais que efetivamente prestarão os serviços seja dotado de algum elemento de subordinação, da pessoalidade, da onerosidade ou da não eventualidade.

A nova Lei de Licitações, como se vê, traz inovações que exigirão cada vez mais clareza por parte da Administração, acompanhando a evolução da visão administrativista de que não basta mais apenas a atenção à publicidade dos atos administrativos; é necessário que sejam dotados de transparência (erigida como princípio, aliás, pelo novo art. 3º).

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