“A dita anistia, nos moldes aventados, incentivaria o reingresso desses valores, que, segundo o projeto, serão objeto de tributação, embora mais branda do que seriam se trazidos sem a alteração legislativa em curso.”
Não é raro que investidores brasileiros aventurem-se em outros países, buscando resultados mais substanciais em moeda estrangeira. A remessa desses valores nem sempre é acompanhada da devida burocracia e as autoridades fiscais brasileiras ficam distantes dessas operações não declaradas. O proveito econômico, porém, esbarra num obstáculo difícil de transpor: como trazer de volta o numerário pertencente ao brasileiro, sem que os ganhos sejam completamente neutralizados pela tributação nacional.
Ganhou o nome “Cidadania Fiscal” o projeto de lei que tramita no Senado Federal com o propósito de retomar esse tema, que volta e meia volta à pauta econômica. A elevada cifra que se estima em US$ 100 bilhões poderia aumentar base de arrecadação, exatamente no momento em que o déficit fiscal primário assombra gravemente o país. O projeto propõe a repatriação de recursos não declarados à Receita Federal e mantidos no exterior, circulando no mercado financeiro internacional.
Da autoria do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), o projeto já conta com parecer positivo para a aprovação e, aparentemente na contramarcha do ajuste fiscal, fala em redução de tributos, remissões e anistia penal. A redução é mera aparência, porque se trata de cifra que não seria alcançada facilmente pelas autoridades fiscais e, portanto, não produziria qualquer arrecadação. A dita anistia, nos moldes aventados, incentivaria o reingresso desses valores, que, segundo o projeto, serão objeto de tributação, embora mais branda do que seriam se trazidos sem a alteração legislativa em curso. É evidente, porém, que, pragmaticamente, os investidores jamais trariam os valores nas adversas condições atuais de pesada tributação e penalidades fiscal e até criminal.
Todo o cidadão que desejar regularizar a sua situação perante a Receita Federal, no dizer do projeto, poderá fazê-lo observados os seguintes critérios: comprovação da origem lícita dos recursos e recolhimento da alíquota global de 35%, sendo 17,5% a título de Imposto de Renda, e outros 17,5% de multa de regularização. A possível nova lei poderá, ainda, extinguir qualquer responsabilidade penal daqueles que optarem ao programa, exceto crimes ligados à lavagem de dinheiro, entre eles, o tráfico de drogas, o terrorismo, o contrabando de armas, a extorsão mediante sequestro ou os crimes contra a administração pública.
A alíquota está em sintonia com a tributação aplicada internacionalmente a esse tipo de circunstâncias. O lado avesso dessa operação, isto é, o tratamento dado pelo país em que estão recursos de estrangeiros, está na alça de mira das autoridades americanas, por exemplo. A legislação estadunidense recentemente criou mecanismos para tributar americanos que escondam seus valores em instituições financeiras de seu próprio país, alegando pertencerem a estrangeiros não residentes – e que, por isso, seriam tributáveis no local de origem. O governo americano promoveu amplo recenciamento de correntistas, determinando que àqueles estrangeiros que não comprovarem sua identidade e residência fora dos Estados Unidos, serão tributados lá, em 35% do valor. Notável a coincidência.
Como o comportamento do Congresso Nacional tem sido imprevisível, não há como saber se a ideia será rotulada nos discursos e nas consequentes votações como redução de tributação ou como premiação à evasão de divisas. Sob a perspectiva do contribuinte, nada há de censurável na proposta e sua aprovação seria um louvável reconhecimento da realidade, em vez da estéril ortodoxia atual.