Das condições de admissão de Pessoas Jurídicas ao quadro de associados de cooperativas de trabalho

“…as exceções e excepcionalidades que aparecem fartamente na legislação pátria e também no texto constitucional sempre são condicionadas à ocorrência de circunstâncias extraordinárias que as justifiquem.”

Existe muita controvérsia em torno da possibilidade de sociedades cooperativas, notadamente as do ramo de trabalho compostas por profissionais liberais, admitirem em seu quadro de associados pessoas jurídicas, especialmente em razão dos benefícios tributários que podem advir desse tipo de cooperação.

Há, dentro desse cenário, a regra estampada no art. 6º, inc. I, da Lei n. 5.764/1971, que traz condições subjetivas e objetivas, ambas necessárias, para se admitir tal operação: 

“Art. 6º As sociedades cooperativas são consideradas:
I – singulares, as constituídas pelo número mínimo de 20 (vinte) pessoas físicas, sendo excepcionalmente permitida a admissão de pessoas jurídicas que tenham por objeto as mesmas ou correlatas atividades econômicas das pessoas físicas ou, ainda, aquelas sem fins lucrativos;”

As condições subjetivas, como se nota, são claras: pessoas jurídicas que tenham por objeto as mesmas ou correlatas atividades econômicas das pessoas físicas ou não possuam fins lucrativos.

As condições objetivas, por sua vez, residem na mencionada excepcionalidade desse tipo de associação, o que evidentemente não significa o mero cumprimento das condições subjetivas.

A excepcionalidade de que trata a lei não se refere a manutenção de um critério quantitativo que se satisfaça apenas com a presença majoritária (maioria absoluta) de cooperados pessoas físicas no quadro associativo da cooperativa, já que, se fosse esse o caso, a lei deveria conter outros tipos de expressões (p.ex., “composta majoritariamente por pessoas naturais”). 

Além disso, as exceções e excepcionalidades que aparecem fartamente na legislação pátria e também no texto constitucional sempre são condicionadas à ocorrência de circunstâncias extraordinárias que as justifiquem.

Tome-se, como exemplo, a previsão constitucional da competência do Congresso Nacional para aprovar a intervenção federal em Estados ou no Distrito Federal (art. 49, IV, da CF/88). Para que isso ocorra, não basta que o Congresso tenha a competência e possa exercê-la; é necessário que existam excepcionais condições, a exemplo de uma unidade da Federação ser invadida por outra ou por estrangeiros (cf. art. 34, II, da CF/88), capazes de levar a União a decretar sua necessidade. 

A excepcionalidade a que se refere a Lei n. 5.764/71, nessa ordem de ideias, trata de permitir a associação de pessoas jurídicas para consecução e atendimento de objetivos extraordinários, que não poderiam ser normalmente satisfeitos pelo corpo de cooperados ou por outras pessoas físicas que tenham manifestado interesse em cooperar-se.

Essa linha de raciocínio é referendada pela doutrina, a exemplo do que leciona Paulo César Andrade Siqueira :

“Admite-se a cooperação de pessoas jurídicas com as cooperativas, desde que estas pessoas tenham identidade de interesses com as sócias pessoas físicas ou não possuam fins lucrativos. O pseudodogma da vedação da sociedade de pessoas jurídicas nas cooperativas não encontra eco na Lei de regência do cooperativismo, que de forma expressa, no presente artigo, e de forma implícita, no art. 3º, não delimita quais tipos de pessoas poderiam associar-se, tratando-se de pura discriminação injustificada de um tipo legal de associação, simplesmente negar-se a admitir tais associações.
A excepcionalidade da associação, que não tem parâmetro legal, tal qual a realização de atos cooperativos e não cooperativos, dependerão do sempre exigido bom senso daqueles que lidam com o cooperativismo, dirigentes, advogados ou juízes. Penso eu que a justa medida é a relação de interesses em jogo, que sempre deverá ser prevalente em direção ao sócio cooperante pessoa física, destinatário final do cooperativismo. (…) 
Justifica-se tal associação anômala pelo fato de que, muitas vezes, um determinado segmento de interesse da cooperação é de tal especialização que não há no mercado indivíduos que realizem a atividade, sendo necessária a associação para viabilizar os negócios.”

O princípio cooperativista das portas abertas, além disso, deve ser compatibilizado com o necessário caráter excepcional da cooperação de pessoa jurídica. Se apenas houver a limitação numérica (número de PJ < PF) ou subjetiva, pelas escancaradas portas da cooperativa entrarão inúmeras pessoas jurídicas, subvertendo exceção e regra, descumprindo a lei e precipitando a cooperativa em abissal risco, especialmente tributário, visto que a descaracterização da relação associativa colocaria a Cooperativa numa frágil posição de mera fonte pagadora que deixou não só de cumprir com sua obrigação de reter diversos tributos, mas também o fez mediante fraude.

Apenas através da adequada verificação e preparo societário para acolher e tratar das excepcionalidades que sucedem no exercício de qualquer atividade humana é que se poderá dizer que é válida e legítima a admissão de Pessoas Jurídicas ao quadro de associados de cooperativas de trabalho.

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