Café frio, velho e muito amargo

“Matematicamente, a desoneração aplaca a tributação justamente dos maiores empregadores e estimula que a margem de lucro seja reinvestida na contratação de mais pessoal.”

Depois de ter ido a pique a Reforma da Previdência – fato que está mais para ancoragem do que para naufrágio, já que o decreto de intervenção no Rio de Janeiro suspende a proposta de emenda constitucional e permite que, revogado o ato do Presidente, entre em votação ainda nesta legislatura -, a equipe econômica apresentou rapidamente um pacote de quinze medidas (treze delas já em andamento no Congresso) prioritárias. Por já tramitarem, em sua maioria, no Parlamento e talvez por haver pré-candidatos demais à Presidência da República envolvidos na questão, um deles, o Presidente da Câmara, referiu-se às quinze medidas como café frio e velho.

São propostas que invariavelmente elevam a arrecadação da União, de sorte a fazer frente aos sucessivos e grandiosos déficits, embora esse aumento seja insuficiente para soterrar o rombo. Nem sempre se consegue ampliar as receitas do Governo com venda de ativos (privatizações, por exemplo). Na imensa maioria dos casos, é o contribuinte quem sofre o impacto.

Embora a Presidência da Câmara resista na tarefa de pôr a mesa, o café a ser servido ao setor produtivo é amaríssimo. Dentre o que já está proposto, há a chamada reoneração da folha de pagamento. O neologismo empregado para firmar palavra reoneração demonstra que a criatividade da atual equipe econômica não se dirige à contabilidade pública, como se fazia em outros tempos, mas a inovação para aí. Essa medida refaz a anacrônica e perversa arrecadação sobre as empresas que mais empregam, porque retoma a contribuição previdenciária cobrada sobre a folha de salários.

Como medida anticíclica de combate à curva crescente de desemprego na gestão anterior, promoveu-se a desoneração da folha de pagamento para segmentos que congregam numerosa mão-de-obra, como o da construção civil, por exemplo. A rigor, o propósito não era, como se fala agora, o de criar novos postos de trabalho, mas sim que as demissões acontecessem em menor velocidade. 

Matematicamente, a desoneração aplaca a tributação justamente dos maiores empregadores e estimula que a margem de lucro seja reinvestida na contratação de mais pessoal. Isso porque a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre os salários é substituída por percentual da receita bruta da empresa, em alíquota que variam entre 2% e 4,5%, conforme a atividade. Numa conta rudimentar, a desoneração torna preferível ter o máximo de empregados produzindo, gerando faturamento a preços competitivos e mais rentes em relação ao gasto com pessoal, porque o tributo incide sobre a receita bruta da empresa. O empresário troca os ganhos de margem pelos ganhos de giro, ganha em escala, contrata em escala e, potencialmente, não pressiona a inflação.

Mas a Previdência Social tem suas contas à beira do abismo e abrir mão de arrecadação com a Reforma interditada como está significaria colocá-la em risco de colapso. A opção política pela arrecadação pode até não ser uma escolha, porque parece ser a única saída no curto prazo. Beberão do café amargo, dessa forma, todos do setor produtivo, incluindo empresas, trabalhadores e consumidores. 

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