A cultura como motor do Direito 

Pensar a contemporaneidade é, a grosso modo, também tangenciar pontos fundamentais da vida humana, especialmente depois do período de modernidade enxergado por Baudelaire e profundamente estudado pela Escola de Frankfurt: a busca e a deglutição desenfreadas de simulacros, a hipervalorização da conexão, do consumo e da individualidade, além da espetacularização da vida.

Essa sensação decadentista é análoga àquela que nasce na França, em um período que comumente é denominado de Simbolismo (ou Decadentismo) e tem como marcas uma descrença na inteligência coletiva, um sentimento de angústia, com um “estilo engenhoso, complicado, erudito, cheio de nuances e rebuscado, recuando sempre os limites da língua, tomando suas palavras a todos os vocabulários técnicos, tomando cores a todas as paletas, notas a todos os teclados, esforçando-se por exprimir o pensamento no que ele tem de mais inefável e a forma em seus mais vagos e mais fugidios contornos”, de acordo com o pensador Theóphile Gautier, responsável por um dos prefácios de “As flores do mal”, obra prima de Baudelaire.

Pensar o período em que se vive com descrença e desconfiança é fadar-se a um decadentismo constante: da modernidade dos séculos XIX e XX à pós-modernidade do XXI. Não se pode afirmar, entretanto, que o século atual é notadamente marcado por um eco simbolista, mas é possível afirmar que, especialmente a partir do ano 2000, vive-se, por exemplo, em um constante ceticismo em relação às utopias.

Lenio Luiz Streck, jurista brasileiro com trabalhos voltados à hermenêutica e à filosofia do Direito, em uma entrevista sobre as relações entre literatura e Direito, afirmou: “É claro que, no direito, falar em utopias e distopias provoca ruídos. Isso angustia o jurista. O problema é que por vezes ele sequer sabe que está angustiado. Por vezes ele nem quer enfrentar isso. Não quer o estranhamento. Por que os juristas gostam tanto de conceitos prontos, enunciados, súmulas? Porque isso lhes dá tranquilidade. É como voltar ao ventre da pré-modernidade, em que tudo está posto. Todas as cartografias asseguram a certeza. Respostas antes das perguntas, eis a terra prometida pelo pensamento dogmático do direito, herdeiro do velho positivismo. A literatura ajuda a existencializar o direito.” 

E esse ato de existencializar acontece, muitas vezes, através não só da literatura, mas também das inúmeras manifestações artísticas, como as narrativas fílmicas, as pictografias, as fotografias e as músicas. Para Roland Barthes, semiologista francês, especificamente a literatura seria capaz de subverter as regras do discurso científico e driblar mecanismos discursivos porque as reflexões propostas pelas produções literárias não se encerram ao terminar uma dada fabulação, permanecem em movimento, numa constante atuação na vida humana. Talvez por isso, ainda que conhecendo, ou não, Barthes, muitos ministros do Supremo Tribunal Federal fundamentam muitos de seus votos com diversas produções artísticas.

Entender que o consumo de arte faz refletir constantemente sobre a própria condição humana em um mundo que se torna cada vez mais desumano é, inicialmente, um ato de resistência. Resistência aos disparates de uma sociedade que constantemente busca subverter os limites morais da justiça, resistência ao degredo simbólico cada vez mais imposto às produções subjetivas, resistência a um mundo que pode se fazer decadentista, mas jamais sem esperança, ainda que ela seja um grande desafio.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *